Sergio Cruz Lima

O Hamlet do Banharão

Por Sergio Cruz Lima
Presidente da Bibliotheca Pública Pelotense
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Fiador de uma política econômica espartana, esteada na "política dos governadores", o presidente Campos Sales deixou o Catete sob fortes vaias. Pela vez primeira, após o advento da República, um presidente deixava o poder acolitado por uma gritaria tão plural. Isso não ocorrera no curto governo de Deodoro, nem no turbado período de Floriano, nem no governo civil do dr. Prudente de Moraes, que desgostara grande fatia da população.

A imprensa brindou Campos Sales com vários apelidos. "Campos Selos", foi inspirado na lei que determinava o controle sobre a circulação de mercadorias via estampilhas fixadas nos produtos comercializados. No Carnaval de 1899, um lundu cantava: "A lei do selo, senhores, é poderosa e viril: sacrifica o povo... São progressos do Brasil... E viva a calma do povo que gemeu... pagou… pagou… Que venha agora um carimbo, pra quem tal lei inventou…". Nas sátiras ao presidente são frequentes as referências ao Banharão, região paulista onde se localizavam as suas fazendas de café. Daí "Hamlet do Banharão", apelido criado por Bilac e explorado por Carlos de Laet. Além de "Pavão", chamaram-no ainda de "Baiacu", peixe que se estufa ao menor toque, e se atribuía à tola vaidade presidencial.

Mas, das muitas críticas feitas a Campos Sales, nenhuma é mais acerba do que a de José de Patrocínio em artigo publicado na imprensa carioca e motivado pela informação de que havia restrições à presença de marinheiros negros na tripulação dos navios que, em 1900, conduziriam o presidente na visita à Argentina. "Estão de novo fazendo na Marinha a escolha de marinheiros pela cor da pele. Serão preferidos os brancos ou mulatos disfarçados na tripulação dos navios que levarão Campos Sales ao Rio da Prata. Dizem que a estulta seleção é recomendada por ele, que não quer que os argentinos desconfiem que haja negros e mestiços no Brasil. De nossa parte, sentimos que o senhor presidente, apesar de seu empenho, não alcance o fim que tem em mente. Para impedir-se que o Brasil seja uma vasta mestiçagem, era preciso começar por uma providência: o senhor Campos Sales não viajar ao rio da Prata. Não há ninguém que, vendo-lhe as pálpebras empapuçadas, o nariz carnudo, os beiços abringelados e grossos, a cor de prato de pó de pedra, e sobretudo a sua pêra característica, saudade involuntária de sua legítima raça, seja capaz de enganar-se a respeito do sangue do presidente do Brasil. Se enxovalha o Brasil, gente que não seja genuinamente branca exercer funções públicas, por mais modestas que elas sejam, mais o deve enxovalhar ocupar a chefia da Nação, um indivíduo que não passa de um sepulcro caiado de raças tidas por inferiores. Vê-se logo no presidente a testa do moçambique, os quadris do cabinda, as pernas curtas do tapuia e, no chorado da voz, o algarvio que serviu de veículo às outras raças. Deu-se com o senhor Campos Sales o processo de refinação do açúcar mascavo: é branco de segunda, como de segunda é a qualidade deste açúcar."

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